14 de abril de 2014

ABRIL, TÃO INSPIRADOR E LIBERTADOR

Quando este poema foi escrito, Portugal era ainda um país onde «liberdade» era desconhecida, ansiada, desejada, mas tão distante... Quando eu nasci, Portugal estava quase, quase a lançar-se na aventura da liberdade. O sonho de liberdade que então, tal como hoje, comandava a vida estava prestes a concretizar-se por entre ramos de cravos...
"Pedra Filosofal", poema de António Gedeão, é dos mais inspiradores que conheço. Quando o leio penso em todos aqueles que «sonharam» com o libertador «Abril de 74»...

"Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança."




Onde eu nasci, já nos anos 70, a liberdade era inquestionável...mas em Portugal, no país dos meus pais, liberdade era palavra proibida. Anos após «Abril de 74» regressaram ao seu país, mas já não chegaram sós... traziam duas filhas que desconheciam as algemas com que o povo do país dos seus pais tinham vivido durante décadas. 
Os meus pais eram, então, dois jovens que tinham fugido da opressão, dois jovens que foram à procura de uma vida com mais esperança... tal como os jovens de hoje, que partem aos milhares! 
Eu não nasci no «Portugal do antes nem do depois» da «revolução dos cravos», mas vivo no país que os jovens dos anos 70 sonharam: um país livre onde todos pudessem viver em liberdade e onde o direito a uma vida condigna fosse uma garantia. Hoje, mais do que nunca, é preciso que os ideais que estiveram na base da revolução do 25 de Abril de 1974 renasçam dentro de cada um de nós...



Pedra Filosofal


Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida

como outra coisa qualquer,

como esta pedra cinzenta

em que me sento e descanso,

como este ribeiro manso

em serenos sobressaltos,

como estes pinheiros altos

que em verde e oiro se agitam,

como estas aves que gritam

em bebedeiras de azul.



eles não sabem que o sonho

é vinho, é espuma, é fermento,

bichinho alácre e sedento,

de focinho pontiagudo,

que fossa através de tudo

num perpétuo movimento.



Eles não sabem que o sonho

é tela, é cor, é pincel,

base, fuste, capitel,

arco em ogiva, vitral,

pináculo de catedral,

contraponto, sinfonia,

máscara grega, magia,

que é retorta de alquimista,

mapa do mundo distante,

rosa-dos-ventos, Infante,

caravela quinhentista,

que é cabo da Boa Esperança,

ouro, canela, marfim,

florete de espadachim,

bastidor, passo de dança,

Colombina e Arlequim,

passarola voadora,

pára-raios, locomotiva,

barco de proa festiva,

alto-forno, geradora,

cisão do átomo, radar,

ultra-som, televisão,

desembarque em foguetão

na superfície lunar.



Eles não sabem, nem sonham,

que o sonho comanda a vida,

que sempre que um homem sonha

o mundo pula e avança

como bola colorida

entre as mãos de uma criança.



In Movimento Perpétuo, 1956

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